Consciências sem história
As histórias do
Pinóquio sempre me aborreceram. Não pelo desgraçado feito em madeira, que até
era um personagem simpático e quase parecido comigo, mas...aquela coisa do
grilo sempre atrás dele a tolher-lhe as vontades, nunca achei muita piada.
Depois pensava, «bom, pelo menos aquela consciência dele, sempre é pequenita,
tem mais sorte que eu, que tenho duas consciências enormes sempre atrás de mim
a dizer-me o que NÃO posso fazer....»
O Pinóquio
tornou-se humano e eu cresci. Finalmente podia largar as minhas consciências,
podia partir à aventura, fazer o que me apetecesse.
E apareceram a
raposa e o lobo e fui com eles, explorar o mundo.
Depois veio a
dúvida, vieram muitas dúvidas e eu resolvia-as, pensava eu. E dei por mim à
procura dos grilos, os dois enormes grilos que deixei para trás num dia de
Ipiranga desafinado.
Não estavam lá.
Fiquei sem chão. E percebi quão parecidas eram as nossas histórias, a minha e a
do Pinóquio.
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Fotografia Naná Rebelo |
Hoje, manhã de
Sol, lá estava ela, sossegadinha, esponjada numa folha soalheira a beber cada
raio de Sol. Não sei porque parei, mas parei. Como é que aquela criatura
diminuta me fez parar?
Acho que me chamou em
silêncio e ali ficámos um bom pedaço a conversar uma com a outra. Eu e a minha
consciência. Seria?
Na manhã seguinte,
passei outra vez e lá estava ela, na mesma folha quentinha, agora um bocadinho
mais desbastada, que a fome não perdoa e uma consciência também tem de se
alimentar.
Bom dia!!! Já por
aqui?
Bom dia
pequenita! Sim, hoje amanheci mais cedo.
Estou a ver... a
que se deve tal milagre?
Meu Deus, esta
verdita anda a querer ler-me os pensamentos e o pior é que a safada consegue...
Não sei que lhe responda, se lhe diga a verdade, se lhe conte uma estória.
Escusas de te
esforçar, sei muito bem porque viste mais cedo. O brilho dos teus olhos não me
engana, nunca me enganou! Mas vá, se não quiseres contar não contes. Mais tarde
ou mais cedo hás-de perceber que não vale a pena esconder.
Virou-me as
costas e voltou a aninhar-se na folha como que a desafiar-me. Não lhe respondi.
Fiquei ali a olhá-la e a invejar-lhe o banho de Sol.
Virou lentamente
a cabecita, esfregou as antenas e disse-me que amanhã haveria de voltar, mas
que não me admirasse se ela já não estivesse ali. Interroguei-a.
Sim, posso estar
noutra folha qualquer, ou posso continuar aqui, não sei. Tudo vai depender da
forma como o Sol estiver quando aqui voltares.
Veremos,
disse-lhe.
Sim, veremos até
quando e até onde te vais conseguir esconder de mim.