sábado, 3 de março de 2018

Desenho, Naná Rebelo

Desencaracolei-me de um corpo seco de amor,
espreguicei os sentidos, soltei emoções torpes, incapazes, obsoletas, deixei-as ir.
De mim só quero que fique a frieza, o gelo discernente do que importa, do que consegue ver em águas turvas.
Da opacidade da vida que só saiam os raios de luz que realmente importam, os que deixam ver apenas aquilo que é importante, aquilo que realmente interessa para cegar de vez os que pensam que já viram tudo.
Que o sonho não seja mais do que isso, sonho, que se desfaçam de vez os moinhos de vento e a sua estúpida pretenção de que fazem mover o vento....
Não quero mais Quixotes, não quero mais poemas de amar e desamar, não quero mais ilusões nem esperanças vãs.
Não quero mais promessas apocalípticas.
Quero a verdade, quero ser agora e ser amanhã.
Não quero passados, nem angústias, nem lágrimas já secas.
Não quero ser eu, quero a outra que se esconde em mim,
quero a surpresa, sem promessas.


In, Na Minha Pele, 2016

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