quarta-feira, 27 de maio de 2015

A última coisa

Espreitava para lá das das nuvens na ânsia de um olhar seu. Um último olhar que fosse, um último sorriso, qualquer coisa, ainda que fosse a última.

Eram densas as nuvens mas no seu íntimo, aquela parte mais escondida de si, sabia que essa qualquer última coisa as conseguiriam atravessar. 

O seu olhar, o seu sorriso, essa qualquer outra coisa, trespassariam quaisquer nuvens, por mais densas ou escuras que fossem.

Aquietou-se. Deixou de espreitar. Algo lhe dizia, para além dos lugares comuns, que se tivesse de ver alguma coisa veria, no momento certo da incerteza que sempre tinha sido a sua vida.

Entre a espera de já nada esperar, ia vendo passar o filme de toda a sua vida. Na verdade nunca esperara nada, nunca tinha precisado de esperar. A vida tinha-lhe caído sempre nas mãos e escorria-lhe, invariavelmente, por entre os dedos demasiado confiantes, naquela certeza estúpida de que seria sempre assim.

E o filme parou, de repente, no momento em que algo fez acordar a sua consciência. Já não havia nuvens, já não havia nada, a não ser o ténue vislumbre do tal último olhar, da tal última qualquer coisa.

Perdera, implacavelmente, o que mais desejara naquele momento. Já não fora a tempo.

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